sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

De frente pro crime

Escrito em 19/11/07 (acho). Baseado na música de João Bosco, De Frente pro Crime.


Só foi dar cinco minutos após os tiros e uma aglomeração de pessoas já se formava em volta do corpo. Não que isso fosse novidade no morro da Farofa Fresca, a causa seria a falta do que fazer num dia como esse, ou como todos os outros. Era apenas mais um corpo caído no chão.
O jornal escondia o rosto do pobre homem, e provocava comentários involuntários sobre um jogo de futebol que ocorrera dois dias atrás. E apesar de tudo, nem na morte o infeliz encontrava descanso. Hora ou outra alguém se ocupava a trocar informações de sua “não mais vida”.
As perguntas eram freqüentes: “O que será que aconteceu?”. E as respostas tão óbvias que ninguém mais tinha gosto de respondê-las. Traição, suicídio, vingança... Qualquer coisa era fofoca. Qualquer coisa satisfazia o tédio e a curiosidade.
O sol quente do meio-dia parecia atrair os comerciantes, e como se não bastasse, logo vinha José com sua barraca de bugigangas, seguido por Antônia, a famosa pasteleira do Morro.
Com o calor, lá estava o barzinho apinhado de gente: velhos, bêbados, mulheres, crianças.... E até um vereador que aproveitou a ocasião para pedir votos e propagar seus “grandes feitos”, que só se resumiam em palavras difíceis e confusas para aquela gente. Bobagens como sempre.
E os gritos... A confusão... O sol quente... O cheiro de podridão... Mais gritos... Mais confusão... O calor insuportável... O cheiro de pastel misturado à carne podre... Sufoco!
- É... ouvi dizer que esse daí já não tinha jeito mesmo! Levou o que mereceu. – comentou uma freguesa de Dona Antônia.
- Pobre homem. – argumentou a pasteleira piedosa.
- Eu tenho pena é da mulher dele. Está rindo de felicidade, mas ainda não sabe que deve muitos trocados por aí. – ironizou o dono do bar que aproveitou um tempinho para sair lá fora.
- Trocados? Sei... Ele tava ligado com o tráfico. Senão ainda taria vivinho pra te pagar o que deve. – concluiu um velho que fumava seu charuto na maior paz do mundo.
- OLHA O PASTEEEL!! TEM DE CARNE, TEM DE QUEIJO!! SÓ POR 1 REAL!! – Dona Antônia aproveitou o breve silêncio para voltar ao trabalho.
- Pastel? Não tem paçoca não, moça? – um garoto vinha chegando com os olhos mais famintos que os bolsos.
- Paçoca não tenho não. Mas pode levar esse pastelzinho aqui, menino. – ofereceu, sentida pela miséria dos seus (era como costumava chamar as pessoas que ali moravam).
- São coisas desse tipo que acaba transformando esses moleques em um bando de vagabundos... – criticou o dono do bar para a mulata – Quero só ver quando já não mais sobrar corpos para serem mutilados. E então chega a nossa vez. Guerra que não tem mais fim. – resmungou voltando ao trabalho.
Abafando um suspiro, dona Antônia atendeu mais dois clientes, enquanto os curiosos continuavam a rodar o corpo.
O sol se pôs, as nuvens e a escuridão logo se misturaram àquele ar comum de início de noite. Ao invés de barracas, era a moçada que preenchia o vazio das ruas. O som alto de uma música qualquer tomava o lugar dos costumeiros berros de dona Antônia vendendo seus pastéis.
As horas passaram, a festança também. E logo, às quatro horas da manhã, todos tomavam seu caminho de volta para a casa. Alguns já cambaleando de sono, outros ainda pensando no que fariam no dia seguinte. Cada qual para o seu rumo. Cada um para o seu canto.
E o corpo continuava jogado no chão. Mas o silêncio foi compensador. E como não houvesse mais nada com que me ocupar, fui descansar, fechando minha janela de frente pro crime.