sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Lobo ou estepe?

Decorei muito bem as ruas pelas quais caminhava por receio de me perder. Era verdade. Às vezes me tomava umas distrações abissais que me faziam perambular horas por caminhos conhecidos mas há pouco apagados de minha memória. Talvez fosse um problema clínico mesmo. Não queria acreditar nisso. Nunca quis.
Renascia em mim a ideia de uma co-existência. Foram as conclusões após ler quase por inteiro O Lobo da Estepe. E se de noite eu já não era eu? E se de dia, me roubava a autonomia a existência de um autômato programado para executar?
Executava tarefas diversas durante o dia: trabalhar, pagar contas, comer, respirar. De noite já era outro: caminhava sem rumo, ria à toa e chorava, sentia fome mas nenhuma vontade de comer.
Sentia-me lobo à noite, estepe ao dia.
Era como se pisasse em todo um passado que há pouco acontecia. Correr pela estepe do que fui.
Era como ser pisoteado pelos lobos diurnos, os engravatados, os oportunistas, os vigaristas.
Um ciclo do qual eu fazia parte em todos os pontos.
Eu perdia em mim a ausência da falta. E a falta da ausência preenchia minha angústia. Era minha própria angústia.
Olhar o céu e não ter lua a que uivar. Sair ao sol e sentir-me prensado entre o ar e o mundo. Eu era o chão, a base de toda uma sociedade. Mas eu era também aquele que destruía a natureza ainda existente.

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